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quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Holanda: 5 Mitos sobre o primeiro mundo

5 Mitos sobre o primeiro mundo

por DANIEL DUCLOS em 11/09/2009

Desde que viemos morar na Holanda, demos de cara com uma realidade que derrubou implacavelmente alguns mitos sobre morar no primeiro mundo. Alguns foram nas primeiras horas, outros demoraram meses pra cair. O maior deles é que "primeiro mundo" é um lugar uniforme. Itália e Holanda são diferentes entre si, e ambas diferem da Espanha, e, sem dúvida, todas elas do Canadá. Que não são os Estados Unidos. Ser "primeiro mundo" não muda a natureza humana, e pessoas são pessoas, com suas loucuras e bizarrias e peculiaridades em toda a parte. Traços culturais existem, mas culturas são particulares de cada canto, e não da grande abstração "primeiro mundo".
Quando cheguei aqui encontrei algumas coisas diferentes da imagem projetada de uma Shan-gri-la onde tudo funciona. Acredito que muito disso venha da nossa tendência de idealizar a verdança do gramado alheio. A idéia não é dizer que Amsterdam é isso ou aquilo, mas mostrar que a experiência real é sempre diferente da idealização. Não há esse "primeiro mundo" uniformizado, asséptico e robotizado, da mesma forma que não existe um "terceiro mundo" igual em toda parte, sempre sujo e violento. O que há são pessoas, lugares e um mundo muito maior e muito mais complexo do que se pensa.
Dito isto, vamos aos mitos.

1. Limpeza

A cidade de Amsterdam tem lixo na rua, e nisso não está sozinha. Eu vi lixo em praias do Mediterrâneo (e eu achava que isso era exclusivo de praias brasileiras), e nas ruas de Genebra (embora ela ainda seja mais limpa que Amsterdam). Por algum motivo, eu imaginava que no "primeiro mundo" todas as ruas seriam limpíssimas, e, cara, isso simplesmente não é verdade. Tem pixação, tem garrafa e lata de cerveja e bituca de cigarro e plástico jogado nas ruas de Amsterdam. Não que seja um chiqueiro, não é isso. Mas eu tinha essa imagem de que seria impecável, hospitalar, todo o lixo nas latas. Esses foi um dos mitos que caiu nos primeiros dias.

2. Educação no dia-a-dia

Turistas são muito bem recebidos em Amsterdam. Das cidades que eu visitei, acho que é a que melhor recebe turistas. As pessoas param pra oferecer ajuda nas ruas, saem do caminho delas pra te explicar coisas, são de uma gentileza maior do que eu esperava - sempre me disseram que pedir informação na rua era difícil, que os europeus eram mal humorados, sem paciência pra turista. Ouvia histórias de destratos em bares e restaurantes. Chegando aqui, fui muito, muitíssimo bem tratado. Eles serão simpáticos, e prestativos e sorridentes. Uma agradável surpresa.
Mas uma vez que você deixa de ser visita e passa a pegar o bonde no dia-a-dia pro trampo, começa a disputar espaço na comutação diária das bikes, a entrar nas filas do supermercado e da farmácia, quando você passa a entender um pouco da língua, você descobre que a delicadeza no trato é reservada pros turistas. Quem é de casa vai entrar no esquemão, e o esquemão aqui, companheiro, é na porrada. Pode ser que em outras cidades seja diferente (em Texel éramos cumprimentados na rua por estranhos), mas os amsterdaneses furam fila, não seguram porta pra você passar, batem com o carrinho do supermercado no seu calcanhar sem aviso prévio, fecham e xingam na bike e "com licença" em holandês é cotovelo no baço. Demorou pra entender isso - primeiro ficávamos bravos. Depois achávamos que se fizéssemos o mesmo eles ficariam bravos. Mas é meio que assim que funciona, e eles nunca levam pro lado pessoal. Se você não foi atropelado no supermercado, ou cortado na fila, ou no trânsito de bike, você está aqui há pouco tempo, e não pode se considerar ainda um habitante de Amsterdam.
Estou me acostumando ainda, mas minha recusa em furar filas e insistência em murmurar "pardon" milisegundos antes de sentar uma mochilada em algum desprevenido entupindo o corredor do tram denunciam minha estrangeirice.

3. Regras são regras

Quando eu era adolescente, um amigo meu contou de um sueco revoltado com o conceito de quebra-molas que encontrou no Brasil. Como pode, perguntava ele, vocês colocarem coisas para quebrarem seus próprios carros? Meu amigo tentava esclarecer: oras, não é literalmente um "quebra molas", é apenas algo para que os carros diminuam a velocidade.
- Oras, mas pros carros irem mais devagar não basta colocar uma placa indicando velocidade reduzida?
A inocência do sueco nos divertia a todos, e ficávamos imaginando como seria na Suécia, onde uma placa de velocidade máxima em uma rua é obedecida sem necessidade de quebra-molas. Bom, nunca fui à Suécia, mas eu te digo uma coisa: tem quebra-molas em Amsterdam. Placas de "não pare aqui sua bike" são sumariamente ignoradas. Placas de contra mão nem sempre são obedecidas.
Está longe, muito longe de ser uma guerra aberta como testemunhei em Sampa - mas a imagem de que todo mundo seguia as regras certinho foi outra que partiu desta pra uma melhor logo no começo.
Jeitinho holandês
A placa diz "Por gentileza não parar bicicletas aqui". Ops.

4. Eficiência e burocracia

Eu achava que o Brasil era campeão mundial de burocracia, mas isso era apenas chauvinismo patriótico de minha parte. Ah, já contei da minha experiência com a burocracia holandesa. É feroz, isso eu garanto. Eficiência varia grandemente. Algumas horas e em alguns aspectos eles são extremamente eficientes. Outras horas, nem tanto. As obras aqui demoram bastante tempo, e o caso da linha Norte/Sul do metrô de Amsterdam não está entre os mais bem sucedidos da história da humanidade: as obras  foram iniciadas em 2003 com previsão de término em 2011. Alguns bilhões de euros e casas históricas afundadas depois, a baderna toda foi paralisada. Consideraram desistir de tudo, o responsável foi afastado, mas no fim resolveram continuar, a um custo estimado de 1,7 bilhão de euros extras e com previsão de entrega em algum momento entre 2017 e 2018. A maioria dos amsterdaneses não está esperando de pé.

5. Segurança

Vindos da violenta Sampa, ficamos felizes de andar numa cidade razoavelmente segura. Crimes violentos ocorrem, mas são raros e em geral vão parar nos jornais. Há caixas eletrônicos direto na rua, sem nenhuma cabininha, e o povo saca a grana de noite sem medo. Uma vez vimos uma guria entrar sozinha pra fazer cooper no Vondelpark - era dez horas da noite. Agora, sim, de vez em quando tem tiroteio, e furtos são relativamente comuns. Furto de bike, então... difícil achar alguém que nunca tenha tido uma bike furtada. E, se não aconteceu com você, aconteceu com alguém próximo. Quando contamos isso no Brasil, espanto generalizado: mas aí é primeiro mundo, eles furtam coisas? Opa. Bike em Amsterdam é mercado sério. Deixe a sua destravada na frente da Centraal Station e volte dali meia hora, pra ver quantas você acha... e eu não poria minha carteira no bolso de trás, meio saltadinha pra fora, e sairia pra dar aquele rolê distraído na Damrak se fosse você. Só uma sugestão.
Mas enfim, apesar dos furtos e do ocasional crime mais sério, segurança ainda é um ponto forte daqui.
Caixa eletrônico na rua
Caixa automático no meio da rua estão extintos em São Paulo, mas aqui ainda mandam.

Ah, as generalizações

O ponto deste artigo não é dizer que amsterdamenses são uns grossos, ou que você terá sua bike furtada com 100% de certeza. É justamente o contrário: é você desafiar as imagens prontas que recebe, e que generalizações são perigosas. Obviamente existem locais extremanente educados, obviamente que nem toda bike é roubada, obviamente que ser seguro andar de noite na rua não te torna imune a qualquer crime. A sua rua pode ser um modelo de limpeza, e existem sim, ruas muito limpas aqui. A questão é justamente entender que impressões de aspectos da realidade não são a realidade em si. Com o tempo, as impressões e experiências vão se acumulando e formando um retrato que, se ainda não impecavelmente fiel, muito mais rico do que as visões chapadas em 2D que estamos acostumados a receber e aceitar como verdade.


Fonte: 5 Mitos sobre o primeiro mundo — Ducs Amsterdam http://www.ducsamsterdam.net/mitos-sobre-o-primeiro-mundo/#ixzz2mX6fvjap 
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